A gestação do segundo filho foi confusa, cheia de despedidas... Um a um foram nos deixando, para retornar às suas famílias, nossos grandes amigos (em tempos de crise, demissões são cotidianas). Também nos despedimos dos amigos e colegas de José, da Casa (não haveria melhor nome para essa escola)! E dos nossos vizinhos, da nossa comunidade cristã... Até chegarmos a BH, cidade que escolhemos para Davi nascer. E lá, curtimos muito o finalzinho da espera: passeamos, brincamos, nos exercitamos, curtimos o primo, os avós, os tios...José já tinha um relacionamento íntimo com o irmão, já sabia como ele iria nascer, sabia até como poderia me ajudar a ser forte. Mas Davi, que parecia querer vir ao mundo bem cedo, resolveu curtir preguiça e foi ficando.
Quando já não esperávamos, as contrações de treinamento (que já duravam mais de mês) foram ficando ritmadas. Na semana anterior eu já estava com 4 cm de dilatação... Resolvi que estava na hora de instalar um APP de contagem de contrações e torcer pro Rafa (o pai, maridão, lindo!) chegar logo.
Irmã, cunhado, mãe... todos prontos. E agora, marido e doula! Fomos correndo para a casa de parto (anexa ao Hospital Sofia Feldman, hospital público que é referência nacional em atendimento de parto humanizado). Já cheguei com 9 cm de dilatação do colo do útero e (thanks God!) fomos direto para a suite de parto.Entrei logo debaixo da ducha de água quente enquanto a enfermeira residente se apresentava, a doula enchia a banheira, minha irmã sorria empolgada e o Rafa arrumava as coisas.
Foi 1h de fase ativa após darmos entrada no hospital. Se sofri?! Well... Imagine-se planejar um trekking ao topo da montanha mais alta e bonita do mundo. Passar 9 meses se preparando (fisica, mental e espiritualmente). Carregar o mochilão com todo equipamento necessário e iniciar a tão esperada subida com uma equipe apaixonada e competente (os melhores parceiros). Não posso negar que no meio do caminho pensei em chamar o helicóptero (uma cesária eletiva me levaria ao topo da montanha rapidinho), estava exausta e quase me faltaram forças para me manter em pé. Mas o Rafa estava ali, se esforçando tanto... Minha irmã, com olhar de admiração e olhos briilhando, brilhando... e com um sorriso que só ela tem. Lena (a doula) tinha colocado uma musica relaxante, escurecido o ambiente, se certificou da temperatura ideal da banheira... José já sabia como o irmão iria nascer, afinal ele sabe que crianças não devem ser arrancadas da barriga da mamãe (desde que ambos estejam bem). E Davi (ah, meu herói!), estava já próximo à praia, sua jangada havia naufragado e a costa lhe oferecia apenas uma imensa falésia para escalar. E ele bravamente lutava para vir à vida. Foi com essa imagem que lancei de lado a possibilidade do helicóptero, respirei fundo e segui rumo ao ápice.
Os últimos minutos me pareceriam mais confortáveis dentro da banheira de água quente, que imitava a temperatura do meu útero, local onde meu bebê se mostrava um grande guerreiro. Passei para a fase expulsiva e veio o alívio da dor, a possibilidade do descanso, a tentação do cochilo... Foi então que Rafa fez uma oração, clamando pela bênção do Pai para aquele momento tão gostoso. E minha irmã largou de lado a câmera, segurou forte minha mão e gritou: "Agora vamos lá, faz força aí! Vai, vai..." e já com lágrima aos olhos "estou vendo a cabecinha!".
Foi então que meu herói alcançou o alto de sua falésia, foi então que eu toquei o ápice de minha montanha, e olhei em torno, e vi a imagem mais linda e emocionante que meus olhos poderiam ver. Todo meu corpo participou disso e queria logo tocá-lo. Mas a enfermeira orientou delicadamente: "deixe ele, mãe... deixe que nade um pouquinho, está confortável". Então retirei dele a bolsa, que não havia rompido, o peguei no colo e nos abraçamos. Eu, Davi e Rafa estávamos juntos na banheira, abraçados, embriagados! Rafa cortou o cordão umbilical, simbolicamente, o pai separa fisicamente mãe e filho. Atitude que deve se repetir ao longo da primeira infância, como afirmação da personalidade e caráter do filho. Então, saímos da banheira para que a placenta também nascesse. Nesse momento, inexplicavelmente, tive uma hemorragia, que foi controlada com injeção de ocitocina (que favoreceria a contração do útero), massagens abdominais e aplicação de soro intravenoso. Então, pudemos descansar, tendo nosso pequeno em nosso colo.
Agradeço à minha família (pai, mãe, irmãos e cunhado), em especial à Ju; ao meu marido, à Lena e à equipe da Casa de Parto Sofia Feldman que permitiu ao Davi essa experiência de nascimento respeitoso, me permitiu viver mais essa aventura e nos acolheu com tanto carinho.
E terminamos esse trekking com um delicioso chá mate (com açúcar, como em minha infância) e um bom papo com as enfermeiras da casa, como em um dos remotos refúgios dos parques da Patagônia.
Davi nasceu na banheira, empelicado, às 39 semanas de gestação, pesando 3,815kg e 49cm, em 11 de Junho de 2015.




